Recomeçar por Ane Viz
Segurei minha mochila, apertando a
alça dela, enquanto colocava a outra mão no bolso do meu agasalho. Um vento
frio passou por mim me fazendo arrepiar. Puxei o casaco, querendo me proteger
mais. Algumas pessoas passavam por mim com se eu não estivesse ali. Tiveram
momentos em que levei algumas esbarradas, mas nada de um pedido de desculpas.
Suspirei sabendo que precisava me acostumar, esse seria o meu novo lugar. Um
diferente do que estou acostumada. Sorri fraco ao me lembrar de Roseiral e de
minha vida.
Uma lágrima escorreu sem permissão por meu rosto
quando a imagem de minha mãe apareceu em minha mente. O sorriso doce, o olhar
carinhoso e o tom delicado de sua voz. Nunca vou me esquecer de minha melhor
amiga. As horas que passávamos conversando, ou um gesto como um abraço me fazia
ficar bem. Um nó em minha garganta me fez fechar os olhos, me forçando a secar
as lágrimas com uma de minhas mãos, tentando impedir a dor de ter perdido
alguém tão importante. Mesmo com minha vista embaçada pelo choro que insistia
em rolar por meu rosto tentei me concentrar no que via.
A minha frente, numa velocidade normal, vinha um
ônibus, a visão estava ruim, porque meus olhos não estavam cooperando. Dei um
passo para frente e consegui enxergar. Era a linha que me levaria para o lugar
onde estava sendo forçada a morar. Coloquei uma mecha de meus cabelos pretos
que caiu em meu rosto atrás da orelha. E joguei minha mochila em meu ombro, e
fiz um sinal para pararem. Vi diminuir a velocidade e agradeci mentalmente, mas
não sabia o quanto estava enganada. O motorista parou por um segundo e logo
acelerou, me sujando com a água da poça.
-Argh! – Resmunguei. – Droga, droga!- Puxei o ar
lentamente querendo me acalmar. – Odeio essa cidade!
Não era possível em menos de dois na cidade me sentia incrivelmente
azarada. Em tão pouco tempo me meti em várias furadas e vi muita coisa ruim.
Respirei fundo lentamente, desejando que tudo fosse um pesadelo e estivesse em
minha cama para logo em seguida escutar a minha mãe me chamando para ir à
escola. Mais uma vez minhas lágrimas vieram, e dessa vez não quis pará-las.
Fiquei por vários minutos sentindo aos poucos as lágrimas pararem. E outro
ônibus chegou e fiz a mesma coisa, dessa vez esperando que parasse.
E felizmente assim aconteceu. Apressada, entrei
ali, paguei, e me sentei, colocando a mochila sobre minhas pernas.
Discretamente, abri um pedaço dela e olhei meu celular, querendo ver por quanto
tempo estava ali. E me assustei ao ver que já era quatro e meia da tarde. Senti
alguém sentar ao meu lado e me mexi desconfortável ao ver que estava me olhando
de lado. Ergui meu rosto e o encarei. Ele riu, passando a mão por seus cabelos
ruivos. E me estendeu a outra mão, num cumprimento mudo. Estudei seu rosto e
aceitei o gesto.
-Andrew, prazer. – Falou calmamente.
-Jessica, prazer. –Respondi tirando a mão da sua.
-Desculpe, mas... – Ele enrugou o cenho e
completou. – Já não te conheço?
Ri achando aquela pergunta engraçada e ele ficou
sem jeito ao ver que tinha pensado que era uma indireta.
-Não, não é isso. – Disse apressado, explicando.
– Achei seu rosto é conhecido.
-Hmm, eu não me lembro de você. – Sorri sem
jeito. – Desculpe.
Voltei meu olhar para a janela e logo o ônibus estava parando no ponto que
deveria ficar. Acenei para ele, colocando a mochila outra vez em meu ombro, e
saí querendo chegar a casa dele. Tirei do bolso do meu casaco o papel onde
tinha anotado o endereço, e vi que estava na rua certa. Olhei a minha volta e o
lugar até parecia bonito. Talvez não fosse tão ruim morar ali. Comecei a
caminha pela rua, observando as árvores que tinham por toda a calçada deixando
o local mais bonito. Distraída com a paisagem não notei o que vinha a minha
frente.
Num instante estava de pé aproveitando a vista e
na outra me via caída no chão com as costas doloridas, senti alguém segurar meu
braço, me levantando com cuidado. Ergui meu rosto, pronta para falar mil e um
desaforos por estar cansada dessa maldita cidade quando encontrei com os seus
olhos. Era numa tonalidade diferente... Um verde acinzentado em contraste com
seu cabelo loiro. A expressão em seu rosto era de preocupação e por pequeno
segundo, quase me senti mal por isso. Balancei minha cabeça retomando o meu
raciocínio.
-Ei, olhe por onde, ok? – Soltei desviando meus
olhos.
-Er, desculpe, estava distraído. – Apontou para
umas pastas que tinham em seu braço.
Dei de ombros e comecei a me virar para continuar
andando com uma sensação de que nem tudo estava perdido. Podia sentir os olhos
dele me seguindo, enquanto eu continuava em direção a casa do meu pai. O que
parecia ser o fim de tudo agora não era tão assustadoramente negativo. Minha
intuição me dizia que poderia dar certo depois de tantos problemas. Via a
chance de ser feliz novamente. Sorri diante da expectativa de ter outra vez a
paz que desde aquele dia me fora tirada. Essa cidade, de certa forma, era a
oportunidade de recomeçar.
Fim
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